16 de maio de 2009

Dieta Mediterrânica

1972 foi um ano miraculoso para a música italiana. Com a ascensão do rock progressivo, sinfónico e megalómano em terras britânicas no início dessa década, a Itália parece ter encontrado um filão inesgotável de inspiração e de expressão da sua cultura orgulhosamente clássica e monumentalmente bela. Se as bandas inglesas enveredavam maioritariamente por um imaginário oscilante entre atavismos medievais e profecias espaciais, lendas arturianas e ficção científica polvilhada de ácido, os italianos apanharam a boleia deste balão rock insuflado por música clássica e pompa teatral, adaptaram-no ao seu modus vivendi ancestral e criaram um nicho sem paralelo na música popular do século XX. Haveria, porventura, género musical mais apropriado e que enfatizasse melhor o país do bel-canto, da verde Toscana, da moribunda mas imortal Veneza, da tão mediterrânica Sicília? Ao criarem uma música simultaneamente actual e remota, projectada para o futuro, mas embebida na Itália operática, cortesã e renascentista, inchada de um romantismo impossível de tão ideal e de uma beleza barroca de derreter icebergues, muitas destas bandas setentistas aproximaram o rock do Olimpo e das suas delícias; criaram ambientes de néctar e melodias de ambrósia. Da arca do tesouro, retiro hoje um rubi chamado Era di Acquario. Trio oriundo de Palermo, editaram, tal como muitas das bandas desta era dourada, somente um álbum, Antologia, no tal ano de 72. Mas que álbum! A abertura com laivos de flamenco de Campagne Siciliane abre caminho a uma flauta sublime que nos acaricia como um vento morno. O tema desenrola-se e leva-nos ao colo pelas aldeias brancas da costa siciliana, apetecendo mergulhar num Mediterrâneo osbcenamente azul. A este idílio segue-se Padre Mio, uma das poucas canções rock do álbum, urgente e carregada de dramatismo vocal, onde a guitarra revolta se entrelaça com a flauta melancólica. O ambiente amaina com a doce Idda, balada cintilante e balsâmica, entregue em voz serena. As três peças seguintes, curtas e instrumentais, são de uma beleza indescritível, que tem tanto de etéreo como de carnal. Solitudine percorre-nos como um pôr-do-sol estival, flamejante mas nostálgico. Vento d' Africa é mais uma melodia cálida e sensual, um convite ao enamoramento e a um copo de Frascatti para aliviar a canícula. Monica aus Wien, uma vez mais com a flauta a liderar, exala um romantismo inocente, algo de inatingível por ser tão breve, como cruzarmo-nos fugazmente com uma bela italiana que nos olha nos olhos e se afasta, deixando-nos apenas a impossibilidade do seu corpo e o odor do seu perfume. A fantasia termina com L' Indifferenza, canção de protesto em toada folk. Fuori al Sole é mais uma peça rock de belo efeito, ornamentada por uma guitarra que debita solos por entre uma solene mas fresca melodia. A toada eléctrica prossegue com Geraldine e a sua vocalização operática, exemplo vivo do cruzamento entre o groove do rock e as intricadas texturas da música clássica que os italianos fazem como ninguém. Antologia termina com Statale 113, que parece colocar os Byrds ou os Quicksilver Messenger Service a percorrer as estradas verdejantes da Umbria e com a flauta mágica em permanente encanto. No fim, passaram menos de 30 minutos. Tão pouco tempo para tanta beleza e qualidade. É melhor voltar à primeira faixa e apaixonarmo-nos novamente...