23 de outubro de 2009

Velas na Tundra

Arrasados e, inúmeras vezes, incompreendidos pela crítica por alturas das sua primeira aparição, os Black Sabbath são, hoje, dignos e marcantes senhores na história do rock. Os inventores do heavy-metal. Os responsáveis pela sua incursão na via do ocultismo mais pedante e indulgente, mas não menos diabólico e pungente na entrega. Os seus três primeiros álbuns, Black Sabbath, Paranoid e Master of Reality são vistos actualmente como obras imprescindíveis na discografia de qualquer roqueiro bom chefe de família. Vol. 4 anda lá perto, sendo que, a partir da segunda metade dos anos 70, a banda começou a perder relevância e a ser apontada mais como referência, os seus discos mais imitados que ouvidos. A culminar, o decano Ozzy Osbourne (à parte ter elaborado dois ou três álbuns bem esgalhados) involuiu de senhor das trevas a imponderável e apalhaçada estrela de reality show.
Há 23 anos atrás, bem antes dos Sabbath voltarem (ou começarem) a ser hip fora do circuito estritamente metaleiro, um agrupamento sueco lançou um álbum de estreia em muito responsável pela sua reabilitação e fuga do esquecimento. Pesadamente intitulado Epicus Doomicus Metallicus é uma obra impregnada de riffs esmagadores, hipnóticos e arrastados na melhor tradição de Tony Iommi e de um negrume gótico, feito de melancolia opressiva e variadas temáticas esotéricas. Não é à toa que a este festim soturno foi atribuído o epíteto doom metal.
Rezam as crónicas que o disco foi produzido em condições extremas, o que se reflecte na ambiência sonora. A banda tinha por hábito ensaiar numa pequena casa, remotamente situada no alto de uma montanha. As gravações tiveram lugar num estúdio tão frio que os músicos, sem dinheiro para pagar aquecimento, usavam luvas e sobretudos enquanto tocavam. Os calafrios reflectem-se na música, especialmente na voz. Johan Langquist, cantor de serviço que abandonou a banda pouco depois da conclusão do álbum, afirmou respirar gelo enquanto cantava. A voz é, aliás, a porção mais estranha deste disco, pois Langquist é tudo menos um vocalista de rock pesado. Às vezes, até canta mesmo. Se Scott Walker, passe o hiperbólico sacrilégio, decidisse frontear uma horda metaleira em meados de 80, provavelmente soaria como algo parecido. A instrumentação, essa, é pesada como manda a lei por estas bandas, mas arrastada e penumbrenta. Solitude abre o disco do modo mais funesto possível. Uma elegia suicida, de entrada acústica e progressão negra e fatalista. A voz ecoa como se já não pertencesse a este mundo. Demon's Gate é um épico arrastamento de quase 10 minutos que relata nada mais nada menos que uma viagem ao Inferno. A hipnose em tom grave das guitarras é levada ao limite, em permanente espiral repetitiva, quebrada somente por proverbiais solos estridentes. Crystal Ball e Under the Oak são perfeitas osmoses do mais obscuro que os Black Sabbath legaram. Black Stone Wielder é um desfile de figuras encapuçadas debaixo de um céu cinzento, que verte uma melodia rica e plena do pathos que terá influenciado muito do tenebroso black metal nórdico da década de 90. No final, A Sorcerer's Pledge define-se como a peça mais ambiciosa do álbum. Bem elaborado para um grupo de tão parcos recursos, o tema começa por ser uma balada outonal, progredindo para territórios mais enérgicos que desembocam numa gélida marcha fúnebre. O tema extingue-se num estertor gótico, com a típica voz feminina em fundo.
Epicus Doomicus Metallicus, mais que óbvia homenagem aos patriarcas Black Sabbath, vale por ser um dos discos mais improváveis surgidos da área do metal. Apesar do negrume constante, é quase ingénuo nas suas intenções. A partir dele, os Candlemass tornaram-se uma banda mais convencional e apegada aos tiques e clichés do circo metaleiro. Tornaram-se, eles próprios, uma referência. Mas, ouvida no lado errado de uma noite de Inverno, ainda é provável que esta obra debutante assuste e cause alguns calafrios...