18 de abril de 2010

Dr. Phil

Ao nomear os mais virtuosos e influentes guitarristas de todos os tempos, Phil Manzanera raras vezes vem à baila. É algo injusto pois, mesmo ofuscado por Brian Eno e Bryan Ferry nos inícios dos Roxy Music, Manzanera preenche os discos da banda com o seu estilo elegante, sofisticado e futurista, mas vigoroso quando é necessário puxar dos galões mais ásperos. Desde os anos 70 que o guitarrista anglo-colombiano se dedicou a projectos paralelos sem nunca adandonar a Banda-Mãe, fugas essas que lhe permitiram experimentar outras sonoridades e ser rei e senhor do seu próprio território. Lançou o primeiro álbum a solo, o excelente Diamond Head em 1975 e, no mesmo ano, reuniu um colectivo imbuído do melhor espírito de Canterbury chamado Quiet Sun. O único disco que legaram, Mainstream, é um belo exercício infestado por fusões entre jazz e rock, apelativas e inventivas.
Aproveitando a desmobilização temporária dos Roxy Music em 1976, Manzanera conjurou um colectivo fugaz, os 801, cuja formação embrionária incluiu Brian Eno. Estes, per si, nunca editaram nenhum álbum de estúdio, gravando no tempo apenas a memória de vários concertos de culto. A última concentração, ocorrida no Queen Elizabeth Hall, pode ser escutada no magistral 801 Live.
Com Eno a mover-se nas sombras e os 801 revistos e aumentados como banda-suporte, Phil Manzanera gravou em 1977 um soberbo álbum intitulado Listen Now!. Quase um disco conceptual, Listen Now! debruça-se vagamente sobre a temática muito Orwelliana de viver numa sociedade totalitária, vigilante e opressiva. No entanto, e apesar do pesado mote, a música é maioritariamente suave e superiormente melódica, ao contrário de, por exemplo, a obra-prima 1984, de Hugh Hopper, disco bem mais complexo e assombrado. Leves trejeitos funk aliam-se na perfeição às vocalizações justapostas do tema-título, todas em quase-surdina, numa paranóia contida. A guitarra elegante desponta de quando em vez, nítida mas sem imposições e a canção esvazia-se em parada jazzística. Flight 19 é pop contagiosa abençoada pela guitarra vertiginosa de Manzanera e pela voz do praticamente desconhecido Simon Ainley. No absolutamente divinal Island, as seis cordas transfiguram-se majestosamente, e conjugam-se a uma bateria estratosférica para tornar o instrumental a peça mais bela de todo o álbum. A clássica edição em vinil fecha o lado A com Law and Order, outra pérola pop imaculada e de refrão ideal, se bem que distante e desencantada como todas as canções do disco. E continua a ser magnífico o modo com a guitarra de Manzanera enche o tema sem o sufocar. Pura classe e nada mais...
A segunda parte do álbum principia com Que?, curto surto instrumental que parece homenagear a expressão mais pronunciada pelo célebre criado Manuel da eterna série cómica Fawlty Towers. O teor mais político e circunspecto retorna em City of Light, canção palpitante, dominada pelo baixo alarmista de Billy MacCormick e pela guitarra novamente possuída por efeitos. Initial Speed é outro instrumental, desta feita frenético e tomado de assalto pelo jazz mais salutarmente conspurcado.
Duas canções em tons de cinzento encerram o álbum. Postcard Love evoca a pop mais atmosférica e menos bacoca dos 10cc, cujos membros Kevin Godley e Lol Creme também se juntaram à corte de 16 músicos que ajudaram a construir Listen Now!. That Falling Feeling prolonga e acentua a insular melancolia, provando que Simon Ainley foi a escolha perfeita para dar voz a estas canções em que o Sol ilumina, mas está sempre escondido atrás das nuvens. Phil Manzanera, como sempre, espalha arte e mistério dedilhados tema afora.
Para os coleccionadores, Listen Now! foi reeditado em 2000, contendo três faixas que ficaram de fora da edição original: Rude Awakening, Blue Gray Uniform e Remote Control. As duas primeiras escapam à banalidade graças ao trabalho sempre bem-vindo de Manzanera. A terceira é um bom tema roqueiro, a fazer lembrar os Roxy Music mais edgy de Country Life.
Listen Now! continua a ser um excelente disco para conhecer o universo de Phil Manzanera enquanto cançonetista e virtuoso da guitarra. E esta última é usada de forma especialmente hábil e escorreita, o que faz do mestre um homem inteligente na contenção e sábio no manejo do instrumento, sem nunca o tornar objecto de masturbações egóicas.