26 de junho de 2010

A Marca Amarela II

Os Boris nunca deixam pistas. Do que ficou para trás ou do que há-de vir. O trio nipónico é uma constante incógnita em termos criativos, oscilando entre influências tão desunidas como os Sleep e Nick Drake. E são os fundadores do Stoner Metal e o crepuscular escultor da folk britânica que convivem, sem se encontrarem, em Akuma No Uta, álbum de 2003.
Akuma No Uta principia com uma introdução: 10 minutos de um drone fantasmático e esmagador que parece convidar para um banquete todos os minimalistas nova-iorquinos dos anos 60 e em que Dylan Carson dos Earth é o criador da ementa. Uma guitarra afinada em tom baixo choca com o uivo penetrante de outra, como placas tectónicas a conjurarem um sismo. E eis que a terra treme em seguida, no ataque furioso de Ibitsu. Um misto de Detroit dos finais de 60 com a vertigem asfixiante dos Motörhead, este tema devia ter escrito por cima a sigla handle with care. O espancamento sónico continua, felizmente, com Furi. E até parece que os Stooges apareceram em sonhos aos Boris e lhes indicaram como ser agressivos e conseguir criar grooves obnubilantes em simultâneo.
A coisa muda de figura ao quarto tema. Naki Kyoku é um épico, de início brando e contemplativo, palidamente belo. Mas a anorexia logo dá lugar a um ritmo farto, que nos agita e contamina. Ficamos à mercê de um desvario eléctrico, de contornos setentistas, mas mais cavernoso que progressivo, mais dissonante que sinfónico. E é pena acabar tão depressa. Ano Onna no Onryou continua a acelerar sem destino, trazendo reminiscências de travessias em alta velocidade pelas estradas poeirentas dos Kyuss e Akuma No Uta justifica o nome - A Canção do Diabo. As palavras são dispensáveis no que é um assalto deliciosamente malévolo de guitarras em desbunda e ritmos a bombear adrenalina. Uma verdadeira valsa com a cornífera entidade.
Após esta injecção de rock tão abrasivo e denso quanto experimental e minimal, não se olha da mesma maneira para três japoneses esqueléticos e guedelhudos. Olha-se para três enormes músicos, obreiros de mais uma experiência a reter. E onde aparece Nick Drake no meio deste furacão eléctrico? Quem conhece o magnífico Bryter Layter tem somente de passar os olhos pela capa que o esconde...