1 de setembro de 2010

Surfistas Prateados

Com apenas dois álbuns, os Silver Apples tornaram-se num dos projectos musicais mais influentes dos anos 60. Sem eles, é muito provável que os Neu!, os Kraftwerk, os Suicide e a electrónica dançável não tivessem surgido. O duo resultou da parceria entre o baterista Danny Taylor e o vocalista enigmaticamente conhecido por Simeon. Simeon tocava um insondável instrumento com o mesmo nome, que segundo o próprio, consistia em nine audio oscillators and eighty-six manual controls...The lead and rhythm oscillators are played with the hands, elbows and knees and the bass oscillators are played with the feet.
É impossível não associar o nome do agrupamento à peregrina composição Silver Apples on the Moon do pioneiro da electrónica Morton Subotnick. Porém, longe das paisagens áridas, lunares e fustigantes desta criação, o duo nova-iorquino conjuga o futurismo e a frieza da maquinaria a melodias e sensibilidades empolgantes e envolventes.
A primeira obra-prima, Silver Apples, surge em 1968, libertando a inocência monstruosa e audaz da ruptura e da genialidade. Os cinco primeiros temas são inesquecíveis e não causariam espanto se fossem compostos por um qualquer colectivo electrónico do ano da graça de 2010. Oscillations balança como um pêndulo à frente dos nossos olhos, invasivo pelo bombear de bleeps e hipnótico pela enxurrada rítmica. Seagreen Serenades é indefensável, o ritmo pulsante parece levar cada músculo à submissão. O foguetão progride, vertiginosamente, esmagando-nos contra os assentos, mas a bizarria de uma flauta muito folk segreda-nos que ainda estamos em Terra. A viagem é puramente mental. Lovefingers está para 1968 como uma rave party está para 1994. Sons subliminares e faiscantes, a cadência repetitiva da bateria e os ecos psicadélicos da voz que se projecta para além da utopia hippie. Aqui, as flores que se usam no cabelo têm o peso da cintura de asteróides. O brilhantismo inusitado acentua-se em Program. Um início de luna park antecede uma canção que resultaria em guitarra acústica, mas que os Silver Apples transformam em hipnose despojada e minimal, interrompida no seu trajecto por estações de rádio avulsas que surgem do acaso. A tendência canção folk tornada espiral electrónica continua em Velvet Cave. Os Suicide conseguem ser mais agitadores, mas nunca tão perturbadores. A partir do sexto tema, é natural que o efeito surpresa desta profética obra de estreia se desvaneça ligeiramente, mas a genialidade perdura até ao último segundo. Dancing Gods é uma penetrante revisitação de uma cerimónia Navajo e Dust parece ser a antecâmara para os poemas cósmicos debitados por Robert Calvert nos surreais concertos dos Hawkwind.
Em 1969, é editado Contact. Não existem grandes desvios musicais em relação ao primeiro registo, aparte uma atmosfera geral mais sombria e o uso do banjo (em Ruby e Confusion), que acentua a ideia de hillbillies electrónicos, um misto de raízes criogenadas pela tecnologia. Logo a abrir, You and I é um dos melhores temas dos Silver Apples. O abandono pulsante do primeiro álbum parece ter dado lugar a uma maior urgência, um ponta de ansiedade difícil de disfarçar. Water faz-nos orbitar à sua volta, ora sugando-nos, ora repelindo-nos do seu centro de gravidade. Os presságios de paranóia do primeiro álbum tornam-se realidade em temas como Gypsy Love ou o denso A Pox on You. Simeon e Taylor atingem aqui uma elevada capacidade de manipulação sonora e ambiental, invertendo o olhar da escuridão do espaço para as trevas que nos habitam. Contact termina com o desvario psicadélico de Fantasies, oscilante e muito intoxicado.
Após a súbita desaparição que sucedeu a estes dois discos, a recuperação dos Silver Apples deu-se com a reedição conjunta dos mesmos em 1997. O revivalismo desaguou na edição de um punhado de álbuns, que não fez os mestres superar aprendizes entretanto surgidos como os Stereolab ou os Spacemen 3. O que realmente fica para a história são aqueles dois primeiros álbuns, únicos e inimitáveis, e em cuja criatividade o futuro começou a ser traçado.