15 de janeiro de 2011

Grand Lee


Barton Lee Hazlewood deu um bigode a muitos dos compositores da música popular do século XX. Aliás, o seu gosto por pilosidades acima do lábio superior é lendária. Estéticas masculinas à parte, este cantautor do Oklahoma foi um enorme artesão de sons, um nome que deve figurar eternamente no panteão dos grandes nomes da música norte-americana. Os seus primeiros passos nas lides sonoras iniciaram-se em meados dos anos 50, mas foi nos anos 60 que Lee Hazlewood (o Barton ficou pelo caminho...) se assumiu como compositor e produtor de referência e de excelência. Aliás, a sua discografia pode ser dividida em três décadas distintas, cada uma explorando um pouco o espírito da sua época, mas ao mesmo tempo intemporais em termos artísticos...

The Sixties Lee

É a década em que vários estilos começam a ser explorados. Rock, CountryEasy Listening e algum Jazz aparecem isoladamente ou em amálgama, encimados por uma poesia irónica e inteligente, que domina quer os momentos mais espirituosos, quer os mais doridos. Hazlewood apresenta-se como um crooner contador de histórias e discos como Trouble is a Lonesome Town, The Very Special World of Lee Hazlewood ou The N.S.V.I.P., funcionam como relatos da vida numa América mais ou menos profunda, mais ou menos surreal, da qual Hazlewood é observador acutilante.
No entanto, o trabalho mais considerado nesta era foi conseguido com Nancy Sinatra, filha do Mr. Ol' Blue Eyes. Por mais que os discos a solo do compositor produzidos nos anos 60 sejam reverenciados, Nancy & Lee é o álbum trademark e clássicos imortais como These Boots Were Made For Walking, Summer Wine ou Some Velvet Morning são motivo de veneração e revisitação até aos dias de hoje por gente tão díspar como Primal Scream, Nick Cave ou Gry...



The Seventies Lee

Os anos 70 albergam os grandes clássicos de Lee Hazlewood. Aqueles em que a escrita amadureceu e se tornou mais agridoce, mais penetrante, mas ainda acessível a todos os corações vagabundos do mundo. As canções transformam-se num híbrido entre o outlaw country e um easy listening kitsch, mas irresistível, povoado, por vezes, por orquestrações cinemáticas. Quatro álbuns desta década são absolutamente incontornáveis. Sem qualquer respeito pela sua ordem cronológica, eles são: Poet, Fool or Bum, 13, Cowboy in Sweden e Requiem for an Almost Lady. Se alguém só tiver espaço ou tempo para dois discos de Lee Hazlewood, pois que sejam estas últimas obras-primas. Requiem for an Almost Lady é um dos melhores discos de canções de amor de que há memória. Com dez temas em menos de meia-hora de duração, debita paixão, ternura, saudade e amargura magistralmente. É crú, directo e rasteiro, como quem ama sem defesas nem máscaras. E guarda canções belíssimas, com direito a introduções filosóficas, como I'm Glad I Never, If It's Monday MorningWon't You Tell Your Dreams ou Come on Home to Me.
Cowboy in Sweden é um dos melhores discos de country rock psicadélico conhecidos. Um misto de guitarras acústicas, orquestra e inebriantes vozes femininas, que serviu de muleta a um programa televisivo sueco do mesmo nome. Absorvente e poderoso do princípio ao fim, este western spaghetti escandinavo pode muito bem ser o culminar artístico de Lee Hazlewood. A atmosfera é onírica e cinemática, procurando e conseguindo revolver e alterar consciências, o que consegue perfeitamente em momentos como Leather & Lace, Easy and Me e What's More I don't Need Her. Há ainda lugar para uma das melhores canções de sempre do músico (o genial The Night Before) e, sempre, para as senhoras brilharem. Nina Lizell e Suzi Jane Hokom derretem corações em For a Day Like Today e numa versão arrepiante e sombria de um tema folk sueco de nome Vem Kan Segla (em inglês, Who can Sail). É sobejamente conhecido o fetiche escandinavo por música de raízes country, e Lee Hazlewood foi um dos nomes mais amados de sempre na península setentrional. Aqui vai uma relíquia da TV sueca, em dueto com uma estrela da época - Siw Malmkvist. Pergunte-se a Stuart Staples dos Tindersticks onde foi buscar inspiração para duetos como Travelling Light ou Buried Bones e não será difícil adivinhar a resposta. E o bigode lá continua, tão azeiteiro quanto respeitável. Será que Fernando Chalana era fã?




The 21st Century Lee

Sagazmente, ou porque lhe apeteceu, Lee Hazlewood desapareceu durante a década de 80 e a maior parte da década de 90. Fez bem, não eram tempos para ele. Mas como todas as coisas grandes projectam sombra mesmo sem a sua presença, assim o barítono do Oklahoma se guardou até que as influências o impelissem à derradeira investida. O homem que regressa em boa forma em 1999, com um disco intitulado Farmisht, Flatulence, Origami, ARF!!! & Me..., é alguém muito confortável na sua pele. Alguém que sabe o que deu e o que lhe é exigido nesta altura do campeonato. Apresenta-se com um disco blasé e descontraído, de clássicos jazzísticos, apropriado para ouvir on the porch numa tarde de Primavera. O tempo que lhe resta é devotado a entrevistas e alguns concertos ao vivo. Pelo meio, um fabuloso disco, algures entre o açucarado e o amargo (For Every Solution There's a Problem - 2002) e a terceira e última colaboração com Nancy Sinatra (2004). Em 2006, após ter conhecimento de padecer de cancro renal, Hazlewood não deixa de fumar e grava a sua última obra, Cake or Death. É um disco mais que meritório, forte na generalidade e, como é habitual, vincadamente irónico. Gravado por um senhor de 77 anos, detém momentos de mais frescura e jovialidade que muitos artistas com 1/3 da sua idade. O toque de Midas ainda atinge Please Come to Boston, It's Nothing to Me ou a última das últimas, T.O.M. (The Old Man).
Barton Lee Hazlewood faleceu a 4 de Agosto de 2007. Viveu uma vida cheia, à sua maneira. E deixou tanta música e de tanta qualidade, que faz parte do batalhão dos eternos.