9 de novembro de 2011

A Marca Amarela VI

É um dado adquirido que a música electrónica moderna em todas as suas variantes não existiria sem os Kraftwerk. O sopro da vida que injectou animismo às máquinas partiu dos alemães, mas foi no Oriente que elas assumiram o estatuto de hedonismo programado. Tudo graças a um colectivo de Tóquio conhecido como Yellow Magic Orchestra. Trio visível mas quarteto mascarado (Hideki Matsutake foi sempre um quarto elemento, escondido na ostra dos artifícios sonoros...), a electrorquestra nipónica foi pioneira no surgimento e expansão de toda a música de dança, bem como da pop electrónica assente em melodias suculentas.
O nome mais sonante do grupo foi, sem dúvida, Ryuichi Sakamoto. Musicalmente ubíquo e influente desde então, forma um triângulo equilátero com os seus pares Haruomi Hosono e Yukihiro Takahashi, uma geometria artística que projecta a Yellow Magic Orchestra como um monolito coeso. 1978 é o ano da afirmação, com a edição do primeiro e marcante álbum homónimo, preenchido por temas coloridos e imaginativos e pela recorrente tendência para a miscelânea entre sons orientais e ocidentais (Firecracker é um magistral exemplo...). 1979 depura o material e traz ao mundo o provável grande clássico da YMO: Solid State Survivor.
Technopolis entra a matar, sem vergonha de ser melódica e despudoradamente dançante. Contra olfactos não há argumentos e aqui sente-se o perfume disco futurista do insígne Giorgio Moroder. Absolute Ego Dance aumenta os níveis de energia, sustém os níveis de melodia e deve ter feito muito japonês pular de excitação nas caves de Tóquio por estes dias... Day Tripper é uma hilariante versão electrónica do clássico dos Beatles, quase tão demencial como a desconstrução que os Devo exerceram sobre (I can't get no) Satisfaction dos Rolling Stones. Mas Solid State Survivor não vive só de irreverência e alegria desbragada. O prazer físico do disco é, acima de tudo, um prazer mental. O tema-título conjuga ambos na perfeição e faz-nos imaginar os Kraftwerk possuídos pelo espírito de uma noite na lendária Studio 54. A roçar o sublime, Rydeen e Behind the Mask são clássicos absolutos da electrónica, temas samplados e remisturados até à exaustão desde a sua génese, mas imbatíveis e indissociáveis do seu génio original. Castalia e Insomnia testemunham a rara lentificação do álbum e aproximam-se da geografia característica das paisagens ambientais. Duas micro-delícias, coisas perfeitas que só os japoneses conseguem produzir tão bem em formato tão diminuto.
Solid State Survivor é um disco multiusos, um trajecto ambíguo. Tanto nos pode transportar para o imaginário arcaico dos jogos para ZX Spectrum como para a Tóquio iluminada/desolada de Lost in Translation. É muito provável que alegre a existência de miúdos e graúdos. Foram os Yellow Magic Orchestra os Kraftwerk nipónicos? Sim, mas com o expressionismo exuberante de um temaki sushi...