9 de novembro de 2011

A Marca Amarela VII

Keiji Haino é um camaleão que pouco muda de cor. Um réptil a preto e branco, que irradia igualmente vários tons de cinzento. Move-se discretamente pela música desde os finais dos anos 70, mas projecta uma sombra gigante no meio underground. Para além de ser alavanca de diversos projectos mais ou menos fugazes (como os Knead ou os excelentes Vajra), constam do currículo do japonês colaborações excepcionais com várias individualidades e colectivos consagrados. Destas, merecem especial louvor as gravações com Derek Bailey, Boris e o trio formado com Jim O'Rourke e Oren Ambarchi.
A solo, Keiji Haino detém uma extensa e eclética obra, dezenas de registos que absorvem e regurgitam estilos vários, que vão do rock ao noise, dos blues ao experimentalismo mais inóspito. Tudo filtrado através dos omnipresentes óculos escuros de Haino, resultando numa musicalidade catártica, em que a delicadeza e a aspereza coabitam numa quase esquizofrenia.
Os vários tons de cinzento supracitados não significam que podemos retirar aleatoriamente qualquer obra a solo do nipónico para demonstração das suas artes. Apesar da aparente imutabilidade do estilo, há nuances que os demarcam. A escolha (pessoal e subjectiva) para levantar um pouco do véu negro e translúcido da música  de Keiji Haino recaiu sobre I said, This is the Son of Nihilism - disco de 1995, reeditado em 2003 e com a chancela de qualidade da Table of Elements.
É um delírio com uma hora de duração, comparável ao infame Metal Machine Music de Lou Reed ou aos drones de Stephen O'Malley e do igualmente nipónico Merzbow. A guitarra, hoje e sempre o instrumento de eleição do músico, precipita-se em queda livre, em direcção às trevas, em danação sonora. A acompanhá-la, apenas a voz de Haino, liberta de palavras, num lamento intermitente de anjo caído. Um quarto de hora depois, a queda é amortecida e amparada por mão invisível, o peso transforma-se em pena, o suplício extingue-se. A guitarra adopta a posição fetal, a música é intra-uterina, a voz um suspiro gritado. A partir daqui, a sucessão entre ordem e entropia instala-se. À paz ilusória segue-se a catarse e o nada sobrevém nos momentos finais da peça. E assim uma guitarra, deixada sozinha no escuro, dá à luz o niilismo...