23 de dezembro de 2017

Kosmische Kosmetik LII


Image result for gam 1976
Em 1976, o krautrock evidenciava um declínio no seu florescimento. A maior parte dos nomes que catapultaram o estilo para o seu acme criativo encontravam-se extintos ou atravessavam fases de menor lampejo artístico e inspiração.
Todavia, à margem dos nomes que ajudaram à expansão da vertente mais vanguardista e arrojada do rock alemão, certos grupos e individualidades entendiam ter ainda algo a acrescentar a um lote artístico já digno de destaque na música mais original e influente do século XX.
Günter Schickert, Axel Struck e Michael Leske eram três desses idealistas/inconformados, que decidiram reavivar a velha chama e continuar a espalhar brasas pela música germânica. Com a inicial de cada um dos seus nomes selaram o projecto que os tornou num dos mais radicais nomes de culto do género: GAM.
O primeiro dos dois álbuns editados pelo grupo - simplesmente intitulado 1976 - é uma obra endiabrada e extrema. Criada a partir de três improvisações em estúdio, consegue ir mais além das excursões lisérgicas, espaciais e hipnóticas encetadas por Ash Ra Tempel ou Guru Guru, a título de exemplo.
O primeiro tema, GAM Jam, abate-se sobre o ouvinte como uma borrasca sem tréguas, arrastando-o para a dimensão paralela onde se desenrola, sem esperanças de regresso. Seja qual for a substância que inspirou o trio, a qualidade não deixa margem para dúvidas...
Apricot Brandy deixa para trás a toada ciclónica e deambula por caminhos sombrios e labirínticos. O ritmo é opressivo, a guitarra tensa, a voz paranóica. A produção rude e artesanal torna o tema ainda mais agressivo, mas há algo que nos puxa e nos impele a continuar a desbravar estas cavernosas galerias.
Für Elise und Alice é a queda final no abismo demencial que se escancarou perante nós logo ao princípio. O que começa por ser uma desconstrução perversa da clássica peça para piano de Beethoven evolui para um devaneio rock fora de órbita que os Cosmic Jokers não desdenhariam. Fustigante e fascinante, a peça apodera-se do ouvinte sem misericórdia e o som crú e pouco polido acentua a veracidade e a intencionalidade do monstro que se faz ouvir.
1976 não é um disco exemplificativo do lado mais congregacional do krautrock, nem sequer da qualidade técnica ou melódica da música germânica. É preferível assumi-lo e consumi-lo como um retorno ao seu inconsciente primordial, pagão e puro.